Opinião: Impactos do ensino remoto em crianças e adolescentes

 Maísa Pannuti*



Passados mais de seis meses nos quais temos vivido sob distanciamento social, ainda não é possível mensurar os impactos psicológicos desse processo para as crianças e adolescentes. É fato, porém, que temos observado alguns comportamentos que merecem um olhar cuidadoso. Alguns estudantes têm manifestado sintomas de estresse, ansiedade e falta de motivação para as atividades acadêmicas, além do medo face às consequências da pandemia, tais como perdas de familiares ou o receio de que isso ocorra; perdas econômicas da família; imprevisibilidade do cenário futuro, dentre outros aspectos. Já as crianças menores têm expressado, além desses, comportamentos que já haviam sido superados ou incompatíveis com seus níveis de desenvolvimento, tais como medo de dormir sozinho; falta de controle dos esfíncteres; irritabilidade e dificuldade em expressar as emoções, gerando atitudes de birras.

São inúmeros os fatores a serem considerados, porém, alguns merecem destaque. A escola ocupa um lugar fundamental na vida das crianças e adolescentes. Trata-se de um espaço de aprendizagem por excelência, uma vez que abre possibilidades para que os estudantes deixem o âmbito exclusivo do contexto familiar, marcado necessariamente por relações assimétricas, definidas pela hierarquia e autoridade, e passem para um outro contexto. Coexistem na escola esses tipos de relações entre educadores e alunos, mas, por outro lado, abre-se também a possibilidade das crianças e adolescentes experimentarem relações entre pares, que são simétricas e permitem a construção de valores fundamentais: amizade; companheirismo; cooperação; respeito etc.

Dessa forma, o ensino remoto impossibilita esse elemento fundamental na Educação: as relações sociais. Para aprender, precisamos não apenas de um bom professor e de materiais adequados, mas também são necessários os encontros e as trocas entre as pessoas. Quando alguém faz uma pergunta em sala, por exemplo, todos aprendem. Ainda que isso também possa ocorrer em aulas remotas, não existe ali toda a complexa rede de relações que caracteriza uma sala de aula. Além disso, na escola os estudantes aprendem sobre aspectos éticos e morais que não são necessariamente vinculados a um conteúdo específico, mas que são transversais a qualquer disciplina, especialmente a empatia, que garante a possibilidade de aprender a colocar- se no lugar do outro. As crianças menores ainda têm o valor inestimável das brincadeiras em grupo, espaço profícuo para a construção de saberes que não pode ser substituído pelas aulas remotas.

Um outro aspecto a ser considerado é que o ensino remoto tem exigido mais tempo dos estudantes na frente do computador, fato que demanda cuidados redobrados, seja pela exposição excessiva à tela, seja em relação ao acesso que as crianças e adolescentes têm à internet. O que podemos fazer então para oferecer um suporte emocional às crianças e adolescentes?

Em primeiro lugar, é importante que eles tenham uma rotina organizada, dividida entre as tarefas obrigatórias da escola e de casa; as atividades físicas e de lazer possíveis. Vale destacar que esse é um momento propício para que crianças e jovens que nunca tiveram responsabilidades domésticas, passem e tê-las. Isso contribuirá para o desenvolvimento de um senso de responsabilidade e pertencimento a um grupo, assim como para a valorização do trabalho e daqueles que trabalham por nós. Dessa forma, regar plantas, alimentar animais de estimação, tirar o pó, dobrar roupas, arrumar a cama e enxugar a louça podem ser momentos ricos de interação na família e desenvolvimento de autonomia.

Uma rotina organizada trará mais segurança emocional ao estudante, assim como contribuirá para a diminuição do estresse e da ansiedade, uma vez que ele saberá o que deve fazer em cada momento, além de trazer uma sensação de prazer pelas tarefas cumpridas. Mas, para isso, a orientação dos adultos é primordial, assim como a atenção para que, de fato, o que se estabeleceu seja cumprido. Isso pode ser feito de forma lúdica, especialmente com os menores, na forma de preenchimento de um quadro de tarefas e responsabilidades com o uso de adesivos, por exemplo.

Especificamente em relação às atividades acadêmicas, é importante que o estudante tenha um espaço e um momento propícios para isso, livres de interferências. Uma boa dica é incentivar que não façam isso de pijama ou sob os cobertores, para que as atividades diárias sejam bem delimitadas. Além disso, para os que estão se sentindo desmotivados, uma alternativa interessante é criar grupos de estudos e de discussão entre colegas, para que possam realizar juntos atividades da escola, ou ainda oferecer ajuda em alguma matéria na qual se destaquem para ajudar os colegas é uma excelente forma de exercer a solidariedade.

Já em relação aos riscos decorrentes das novas exigências de uso da internet, cumpre ressaltar a necessidade do monitoramento das crianças e jovens, com particular ênfase para as redes sociais. O diálogo aberto é, sem dúvida, a melhor forma de criação de um canal de comunicação e de confiança entre pais e filhos. Para isso, é necessário conscientizá-los a respeito de alguns dos perigos que a internet pode trazer, para que desenvolvam um senso crítico no julgamento de mensagens falsas; que sejam alertados sobre a prática do cyberbullying e de suas consequências; que não se deixem levar por apelos que eventualmente surjam, tais como os comumente denominados “desafios”, e que,  acima de tudo, em situações de estranhamento ou desconforto, imediatamente recorram aos pais. 

*Maísa Pannuti, psicóloga e doutora em Educação, é especialista em Psicologia do CIPP - Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento e supervisora do Serviço de Psicologia Escolar - SerPsi - do Colégio Positivo.


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