Opinião: Manter e gerar empregos em home office

O teletrabalho (que inclui várias formas de trabalho a distância, como o home office ou o home based) já era uma tendência que vinha se afirmando nos últimos anos em diversos setores, apesar das resistências culturais e do modelo tradicional corporativo


Por JOSÉ POLICE NETO

A pandemia exigiu respostas rápidas e deu uma velocidade avassaladora à adoção do home office, talvez conseguindo, neste curto período, uma adesão à modalidade que levaria anos para ser atingida. Diariamente, vemos empresas anunciando que a maioria de suas vagas não voltarão a ser presenciais mesmo com o fim do distanciamento social. Esta nova realidade requer um olhar atento da sociedade e do poder público para produzir políticas capazes de maximizar os efeitos positivos desta transformação.

Ainda na tramitação do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, o debate apontava para o fato de dedicarmos enormes esforços para pensar uma cidade cujas premissas podiam se alterar significativamente, sendo o teletrabalho a principal destas alterações. Também se aproveitava pouco o potencial do home office para reduzir alguns dos grandes problemas crônicos da cidade, como as deseconomias de um sistema de mobilidade congestionado e a descentralização do desenvolvimento. Infelizmente, aquela oportunidade de debate foi perdida, e só pensou numa cidade convencional.

Várias das ideias discutidas à época foram então desenvolvidas em um grupo de trabalho criado por meu mandato e, posteriormente, apresentei um projeto de lei de incentivo ao teletrabalho. Aprovado em primeira votação, já foi discutido em audiência pública e agora aguarda aprovação definitiva. Tenho debatido com todos os setores da sociedade, mas a emergência da pandemia e a acelerada migração de postos para home office tornou este debate ainda mais urgente e necessário.

O teletrabalho traz vantagens significativas para o trabalhador (mais tempo livre, eliminação de deslocamentos diários, possibilidade de fazer as refeições em casa ou nas proximidades de sua casa, condições de trabalho mais confortáveis, etc); para as empresas (redução dos custos com imóveis, ganhos de produtividade, redução dos custos fixos e com transporte, entre outros) e principalmente para a cidade (redução dos deslocamentos e da poluição atmosférica, desenvolvimento das economias locais, redução das desigualdades regionais etc). Já abordei em textos anteriores estas vantagens, mas há outro desafio que se coloca agora para a sociedade e a gestão pública frente ao contexto atual: como manter na cidade estes empregos que migraram para o teletrabalho.

Tradicionalmente, o Estado brasileiro trata os setores inovadores em expansão como o personagem da fábula trata a galinha dos ovos de ouro: em vez de incentivar o desenvolvimento sustentável para o futuro, tenta extrair o máximo, geralmente matando a galinha no processo. Não raro sacrifica a galinha para sustentar uma sobrevida a setores obsoletos que geram valores agregados decrescentes. Grande parte do intenso processo de desindustrialização pelo qual o Brasil vem passando nestas três décadas resulta desta visão míope.

Não podemos, na cidade de São Paulo, cometer este erro com relação ao home office, trabalho remoto e teletrabalho em geral. A perspectiva de uma grande migração de postos de teletrabalho para outros locais é bem real, em especial no caso dos empregos de maior qualificação e maior relevância em termos de inovação e produtividade. Lutamos contra a atratividade de municípios onde a terra é barata, os padrões aparentes de qualidade de vida são bucólicos e a menor demanda garante serviços públicos de melhor qualidade, além do fato de que qualquer arrecadação que se obtenha da migração será um dinheiro novo que entra, permitindo certa liberalidade fiscal.

Mas esta não é uma luta perdida. A tendência no mundo em relação aos grandes centros de inovação tecnológica, como o Silycon Valley por exemplo, tem sido, pelo contrário, dos profissionais mudarem para grandes centros como Nova Iorque e Los Aneles. O “fator urbano” que a grande cidade tem como atrativo, seja pelas possibilidades de convivência com pessoas interessadas nos mesmos temas, seja pela oferta de cultura e lazer, seja pelo acesso a mercados mais qualificados, é um elemento importante, mesmo que negligenciado. São Paulo tem muitos atrativos para garantir em sua plenitude a vivência de uma experiência enriquecedora do “fator urbano” e isto não pode ser negligenciado.

O segundo ponto que temos em vantagem é uma ampla oferta de mão de obra com vários diferenciais de qualificação. Qualificação esta que precisa se manter atualizada em um mundo que muda em alta velocidade. A presença do capital humano e das condições para desenvolvê-lo de forma constante tem sido até agora o grande atrativo que, mesmo durante as mais intensas guerras fiscais, vem conseguindo manter empresas na cidade.

Adicionalmente, é necessário considerar que o teletrabalho não exclui por completo atividades presenciais que sempre precisarão pontuar algumas fases do trabalho, além do networking cada vez mais essencial em um mundo que se especializa e portanto no qual o conhecimento se aprofunda em tarefas mais complexas que exigem de colaboração para serem colocadas juntas. São Paulo também tem condições excepcionais, inclusive pelas suas universidades, para ser um polo permanente de atração.

A questão fundamental, então, é quanto de visão o Poder Público – e a sociedade que é capaz de se mobilizar para influenciá-lo – resistirão à armadilha tentadora de “matar a galinha dos ovos de ouro”. O teletrabalho pode contribuir para resolver diversos problemas urbanos para os quais a cidade teria de gastar bilhões, notadamente os de mobilidade. Transformar uma parte desta fortuna em investimentos que poderá ser poupada em incentivos, ao invés de inviabilizar a solução buscando taxar e estabelecer exigências é, talvez, a mais importante decisão que a cidade pode tomar para manter e até ampliar a oferta de empregos.

*VEREADOR JOSÉ POLICE NETO (PSD)

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